A Lei 14.457/22, que institui o Programa Emprega + Mulheres, traz consigo uma série de novidades, entre elas a Cipa (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) como meio de combate ao assédio sexual e outras violências no trabalho.
Em um primeiro olhar, o artigo 23 da Lei 14.457/22 pode levar ao entendimento de que caberá também à Cipa tratar de medida visando o combate ao assédio sexual e demais violências no trabalho, com a inclusão de regras de conduta nas normas internas da empresa, fixação de procedimentos para recebimento e acompanhamento de denúncias sobre o tema, entre outras medidas.
Tal interpretação conferiria à Cipa o poder de interferir no poder diretivo do empregador e alterar normas internas das empresas, muitas dessas normas, inclusive, pautadas na legislação referente ao compliance, e de padronização internacional, dependendo da organização.
Um olhar mais atento da previsão legal nos leva à conclusão que as atribuições quanto a prevenção do assédio constantes no artigo 23 da Lei 14.457/22 competem às empresas que têm Cipa, e não à comissão propriamente dita.
Partindo-se do norte interpretativo de que a lei não se utiliza de palavras inúteis, quando citado artigo prevê que “(…) as empresas com Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (Cipa) deverão adotar as seguintes medidas (…)” deixa claro que as medidas cabem às empresas que possuem Cipa, não à Cipa especificamente, pois se assim fosse, certamente o artigo teria outra e mais direta redação, além de demandar, ainda, alteração da NR-5 Atualizada.
Interpretação diferente significa ameaça frontal ao Poder Diretivo do empregador, que veria a Cipa determinar procedimentos internos, participar de investigações muitas das vezes sigilosa, e concordar ou não com eventuais penalidades aplicadas, o que é flagrante ameaça à organização das empresas.
Ainda, seria necessário atualizar a NR-5, norma que disciplina as atribuições da Cipa, vez que não há nessa a possibilidade de aplicação de punições disciplinares — e nem poderia porque tal ação é derivada do poder de comando do empregador, não aos integrantes das cipas.
Nem a novel legislação nem a NR-5 conferem à Cipa o poder (competência e legitimidade) para que esta imponha alterações nos regulamentos internos das empresas, ou até mesmo crie normas de caráter coercitivo interno para tratar de assédio sexual e violência no trabalho, nem permite que esta comissão aplique sanções administrativas aos responsáveis, mesmo que à revelia do empregador, não prevê nem, sequer, a obrigatoriedade da participação de um membro da Cipa nos procedimentos internos de investigação.
Entendemos, então, que a Cipa limita-se ao estudo e proposta de regras para apuração dos fatos denunciados e de aplicações de sanções, respeitado sempre o sigilo do denunciante e denunciado, e o poder de comando do empregador, que não pode ser delegado, transferido ou dividido com a Cipa.
A grande inovação da lei é a atuação da Cipa na difusão de informações, treinamento e aumento do conhecimento de todos os empregados quanto aos temas referentes à prevenção e ao combate ao assédio e a outras formas de violência nas atividades e nas suas práticas, e a contínua reciclagem, vez que a cada 12 meses haverá nova capacitação e de todos os empregados indistintamente do nível hierárquico, no que se refere aos temas relacionados à violência, ao assédio, à igualdade e à diversidade no âmbito do trabalho.
A fixação de normas internas, procedimentos de investigação, análise e aplicação de sanções continua a ser restrita ao empregador e sua decisão final é soberana, porque cabe a ele dirigir os serviços prestados, e permanece vedada a interferência da Cipa no poder diretivo do empregador, mesmo diante do artigo 23 da Lei 14.457/22.
Fonte: CONJUR